quarta-feira, 17 de fevereiro de 2016

A liberdade sexual de Kesha e o empoderamento das mulheres

     Feminismo sempre foi pauta de grandes discussões ao longo dos anos. Grandes movimentos, manifestações, reivindicações. Conquistas de direitos. Certo. Com o boom das redes sociais nos últimos anos e o crescimento cada vez maior dessa terra de ninguém, cada vez mais pessoas têm puxado debates sociais interessantes, especialmente no Facebook. Feminismo, racismo, homofobia, transfobia, aborto, mais escolas, menos cadeias, redução da maioridade penal, a culpa é da Dilma! Se ela sair, quem assume é o Aécio? E por aí vai. Onde eu quero chegar com isso? Acredito que a onda de problematização de tudo veio, mais forte do que nunca, junto com esse boom. Isso é muito mais importante do que aparenta ser pra quem se julga ~~de boa. Eu mesmo, quantas atitudes reconheci em mim? A gente não se dá conta, às vezes, do machismo que reproduzimos. São coisas tão enraizadas na nossa cultura que nem percebemos muitas dessas atitudes.
     Desviando um pouco para as influências midiáticas de hoje em dia: cantores, atores, celebridades em geral; formadores de opinião. Cada um busca/tem seu próprio espaço e quer se fazer ser visto/ouvido. A questão é: o que essas pessoas têm a dizer?
     Dentro de todas as personalidades da mídia no meio pop internacional, uma em especial sempre me chamou a atenção: Kesha. O simples fato de ela incentivar seus seguidores a serem quem eles realmente são já me pegava. Parece clichê, eu sei. Mas não é bem assim. Veja bem, quantas cantoras temos por aí com o discurso semelhante? Aos montes, talvez. Mas o quanto a vida artística de cada uma delas tem realmente a ver com sua vida pessoal? Esses dias mesmo uma amiga me perguntou "Ela é toda loucona assim mesmo?". Temos aí músicas motivacionais: Firework, Beautiful, Born This Way. É bonito, é bacana. Todo incentivo à auto-aceitação é bem vindo e o apoio à causa faz-se mais do que necessário. O que sempre me chamou atenção na Kesha é que ela não separa a persona do palco e da mídia de quem ela realmente é. A maioria dos artistas criam uma espécia de alter ego, personagem, para o showbussiness, até como forma de preservação pessoal. Kesha não. Sua música soa despretenciosa: ''vamos dançar, nos divertir, beber e tocar o foda-se para o mundo'', mas é um pouco mais além do que isso. Ela não quer estar a frente, no topo, ditando. Ela quer estar no meio, ela faz parte disso tanto quanto qualquer outro. O grande diferencial nela, como artista, é essa extrema proximidade que ela mantém com seu público, ela faz parte deles. Já fui em alguns shows internacionais e sempre digo (Britney, mulher, te amo, me perdoe): não tem show igual ao da Kesha. A conexão que ela tem com o público é algo surreal.
     Partindo disso, voltemos às músicas. Não tão recentemente assim, Kesha abriu um processo contra seu empresário e produtor acusando-o de abuso sexual e tortura psicológica. Incontáveis relatos da cantora sobre diversas experiências, humilhações e chantagens pelas quais passou. Do outro lado, o hitmaker Dr. Luke, consagrado hoje por ser responsável por muitas das músicas que ouvimos durante esses anos todos de Katy Perry, Britney Spears, Miley Cyrus e por aí vai. O processo se arrasta desde 2014. Ela quer a quebra de um contrato diabólico que assinou quando era mais nova que não permite que ela faça absolutamente nada sem o consentimento dele. Ela não pode fazer sua música. Vida e carreira estão paradas presas à sombra do que ela já foi. Enquanto o processo não é julgado, e uma sentença não é proferida, ela pede permissão para tocar sua carreira - sem ele - até que a decisão saia. O julgamento está marcado para o dia 19 de fevereiro.
     Li, recentemente, várias notícias sobre o caso e o que me entristeceu foi que, na maioria delas, os redatores classificavam o caso como ''exagero'', ''sem sentido'' e até mesmo que ''era de se esperar, pois ela canta, em sua maioria, sobre sexo e festas''. Gente, não! É exatamente nesse ponto que eu quero chegar. Se o homem, o cara fodão, o rockstar canta sobre sexo ele é badass. Se a mulher, cantora pop ou não, canta sobre sexo ela é uma vadia sem respeito que não surpreende quando afirma ter sofrido qualquer tipo de abuso. Isso porque nem entrei no mérito de outras músicas, ainda mais sexuais do que o pop. Não é assim que funciona, que deveria funcionar. A maneira com que ela realmente fala sobre suas experiências nas músicas sempre me chamou a atenção. A amiga que rouba o carro dela e sai contando sobre a sua vida sexual na intenção de difamá-la, ou o cara a quem ela dizia pra não se preocupar, ela só quer estar entre os lençóis dele e depois ir embora. A liberdade sexual nas músicas, nos shows, é real. E é tão real na vida dela como na de qualquer um de nós. Todos temos relações assim, todos fazemos sexo. Aí, porque a mulher retrata isso de forma natural numa música, num videclipe, ela é taxada, julgada, por nós que somos exatamente iguais (e por vezes até piores)?
     A liberdade sexual da Kesha está em viver uma vida realmente livre, sem repressões. Ela faz o que quer, quando quer. É dona de seu corpo, tem conhecimento dos seus limites e prazeres. Isso, ainda hoje, parece ser tabu pra muita gente. Não deveria. Por que fazer e falar sobre sexo casual pra uma mulher é absurdo, desrespeitoso, passível de abuso (de qualquer tipo) e pra um homem é símbolo de masculinidade? Crescemos e aprendemos tanta coisa que não percebemos ser problemas que mais tarde se tornam maiores ainda. A desconstrução de padrões é necessária. A discussão é válida.
     Estamos num momento onde discussões sobre a mulher e papeis de gênero têm ganhado mais e mais visibilidade, e isso é ótimo. O feminismo tem sido mais debatido e, principalmente, entendido. Igualdade de direitos. Discussões acerca de assuntos como violência contra a mulher, campanhas pelas redes sociais têm feito as denúncias aumentarem. É necessário. É importante para que quebremos mais essa barreira. O empoderamento feminino tá aí mostrando que mulher não é aquela figura mitológica frágil, delicada, fofa. Nem tem que ser. E isso vem sido cada vez mais percebido, mudado. Desconstruir esses conceitos é difícil, mas, mais uma vez, necessário.
     Se Kesha, famosa, rica, dentro dos padrões de beleza impostos pela sociedade, passa por esse tipo de coisa e é taxada de louca, de exagerada, pior, de merecedora (!), quantas outras mulheres, invisíveis aos olhos do grande público, muitas vezes invisíveis aos olhos dos próprios familiares e amigos; quantas mulheres ainda passam por situações dessas e até piores? Estamos cercados por elas, mas não sabemos. Enfrentar um opressor é tarefa difícil. E, por opressor, digo em qualquer tipo de situação. Abuso de qualquer forma, de qualquer pessoa. Agressão física, psicológica. Bullying. Englobe aqui todas as coisas. Que possamos enfrentá-los. E, mais do que isso, que possamos ajudar e dar espaço a quem precisa enfrentá-los.

6 comentários:

  1. Adorável reflexão, Johnny. O tema precisa ser atualizado, debatido e integrado participativamente na sociedade...

    Tomara que a Kesha vença o processo e possa voltar a criar sem a sombra desse passado (e do trauma que sofreu, claro). Também bato na tecla de que a maioria das divas faz discursos apenas para agradar a multidão que as venera, e que não pratica no dia a dia. Infelizmente é o que rola. E o que você na Kesha é justamente o que vejo na Gaga, quando a pessoa é taxada de louca e fala em suas músicas um pouco de si. E eu também AMO a Britney (ela foi minha primeira diva AHAHHAHA).

    Beijos, querido ;*

    Faroeste Manolo
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    1. É muito importante abordarmos esse tipo de assunto sempre que possível, quanto mais discutido, melhor.
      Tomara que ela consiga mesmo! O julgamento final ainda vai demorar, pelo visto. Mas o resultado da liminar que dá liberdade temporária até o resultado final, está bem próximo.
      Sobre as cantoras pop, Britney foi minha primeira diva também hahaha. Continua sendo minha favorita, e Kesha tá logo ali em seguida. Ao mesmo tempo que elas tem muitas similaridades, são estilos totalmente diferentes. Gosto disso. Gosto de todas, em geral. Já curti muuuito a época Paparazzi da Gaga hahaha. Mas essas duas tem meu coração <3
      Beijos, e adorei o comentário ;)

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  2. Siiiim, muitas mulheres passam por isso, mas quem liga? Ninguém! O problema está aí! E as mulheres estão sempre erradas!
    Super concordo na parte de que se o homem canta sobre sexo ta tudo bem, mas e a mulher? Não pode! Meu tio esses dias me disse que não gostava DS música da Beyoncé (Flawless com a Nicki Minaj) porque na música elas falavam que "todos os homens me desejam, você queria ser como eu por conta disso" e blá blá blá. Maassss a verdade é que ele gosta da música sim, mas disse pra mim que não gostava por conta da letra e tal e falou "ela é mulher, é feio falar isso", e eu tive que dizer " se fosse um homem que estivesse cantando não seria feio, né? " Aí ele olhou pra mim por um bom tempo pensou no que ia falar e por fim disse "não é bonito ninguém cantar esse tipo de música" aham, ta.

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    1. Exatamente, Vitória! Quando presencio alguma situação desse tipo eu uso um exercício que é um truque que uma amiga me ensinou muito simples e efetivo: igual no caso do seu tio que disse ''mulher falar isso é feio''. Substitua a palavra mulher por homem e veja se tem o mesmo efeito. ''Homem falar isso é muito feio''. Não tem. Se não tem, é machismo sim. Não é errado porque é a mulher fazendo, mas sim a pessoa fazendo. Qualquer situação que seja. Na música, na novela, no trânsito. Qualquer um.
      Nicki Minaj é um ótimo exemplo do machismo e da hiper sexualização também, que nem a globeleza. Se fosse um cara ali no lugar da globeleza, ou se fosse um cara com a mesma postura das Nicki e da Beyoncé? Aí não pode, a família tradicional brasileira fica revoltada. Porque é isso né, mulher pra eles é isso, basicamente um objeto sexual. Posse.
      Não, não é.

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  3. Que texto
    DO CARALHO
    de verdade.
    Você abordou o assunto maravilhosamente bem. Eu só soube do caso dela ontem, 19. Quando o juiz não ficou do seu lado. Sentimento de revolta, tristeza.
    Pior ainda essas pessoas que alegam com esses argumentos que mencionara, de que era de se esperar/exagero.
    Como mulher já estamos em uma posição fragilizada, ser mulher é viver com medo, medo de sair numa rua escura e deserta. Medo de ser violentada, julgada e culpada. Assim como você disse, se Ke$ha, rica, bonita e poderosa não tem poder sobre o que acontece com ela, quem somos nós para ter? Se nem a justiça está do nosso lado?
    Triste.
    Post maravilhoso
    Mil beijos
    #FreeKe$ha

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    1. A justiça se mostrando cada vez mais falha e vendida. É de um abuso e absurdo tão grande esse tipo de coisa acontecer que me faltam palavras pra explicar o sentimento.
      Num tempo em que são feitas campanhas para incentivar esse tipo de denúncia, ver esse tipo de coisa acontecer a nível mundial é de um retrocesso sem tamanho.
      Chegará o dia em que a justiça será imparcial, fará jus ao nome que leva. Não importando quem seja o acusado. Um dos maiores produtores musicais ou o cara que mora ali na esquina.
      Não é de se esperar, não é exagero. E quanto mais esse tipo de coisa acontecer, mais tem que expor mesmo.
      Obrigado, Beca <3
      #FreeKesha

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