terça-feira, 17 de novembro de 2020

365 e um café velho


           Um ano depois, estou aqui de novo. Tomando o café que já havia me esquecido do gosto e de como era bom. Revisitar esses lugares e sabores faz parte de um ritual meio sádico que tenho comigo mesmo e que nunca sei necessariamente o que quer dizer. Provavelmente por sempre querer dizer algo diferente da vez anterior. Nesses 365, se tudo girou tão 360º, ainda não encontrei o motivo pra sentar aqui e pedir a mesma bebida que tanto me fez companhia em outrora. Não é que ela não faça mais, mas não do mesmo jeito. Não a mesma bebida. Não os mesmos ingredientes. Isso certamente deve querer dizer alguma coisa.

          Enquanto fico aqui sentado nessa mesa, saboreando o meu antigo quase amargo companheiro, estranho o imenso vazio desse lugar. Lugar de passagem, cenário de tantos encontros e desencontros. Risadas histéricas, choros compulsivos, palco de boa música ou poesia falida. Completamente deserto. Me faz lembrar o universo paralelo, sobre o qual já escrevi algumas vezes. Mas no lugar de cores musgadas e tons fortes, quase não há cor, não há vida. O conforto deu lugar a um sentimento ruim de nostalgia invertida. Bitucas de cigarro pelos cantos e latas espremidas pelos outros, não parece ter restado mais nada. Levanto-me com minha caneca e ponho-me a caminhar, pensando em como já foi significativo estar aqui. Concluo que não importa com o que se parece hoje ou o que habite aqui nos dias atuais. O meu sentimento permanecerá.

          Nas andanças sou capaz de admitir pra mim mesmo que vim até aqui esperando encontrar um rastro de quem já fui. Ou de quem já fomos. Mas se fomos, faz sentido olhar e ver que nada restou. Entendo que gostaria de voltar. Mas se voltei, percebo que me refiro à tempo e não à espaço. Com um esforço danado pra não pontuar interrogações, ao ouvir outros acabo aprendendo mais sobre mim e consequentemente percebendo que não estou onde achava que estava. Ou gostaria de estar.

          Talvez refazer os passos adiante ajude. Ou faça perceber que não refazer, mas realmente fazer, de fato. Soa um tanto pífio, mas não faço mesmo muita questão. Pode ser que fazendo os passos adiante eu consiga saborear o verdadeiro gosto do meu antigo café em boa companhia, enfim.

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