segunda-feira, 20 de novembro de 2017

• Abrir • (Memórias) • Não abrir •

       O cair das águas anunciava um novo tempo. As visões, cada vez mais constantes, confundiam os caminhos de Bono e ele já não sabia mais por onde seguir. A nave havia entrado em pane e precisava parar. Há oito luas atrás separara-se de Mino, com encontro marcado para daí a mais três. Jornadas individuais. Agora, perguntava-se como chegaria até lá a tempo. Fora forçado a pousar num pequenino planeta verde escuro e agora precisava arrumar sua nave antes de levantar voo novamente.
          Perguntava-se se o tom escuro do verde dava-se devido a chuva intensa, ou se o tom denso das selvas e do desconhecido já fazia parte do cenário natural do lugar. Enquanto caminhava, em Mino pensava. Eventualmente, pensava sobre o que fazia ele não estar presente em nenhuma das recentes visões que tivera. Bono sempre soube que a maioria delas carecia de interpretação, muitas das vezes não, necessariamente, literal. A grande igreja tomada pela entidade maligna, a seita, o colégio, a fuga. Os metrôs, onibus e carros desgovernados pelas mesmas pistas atrás da moto. Quem era Vicente? Apesar da face conhecida, sabia que era mera assimilação. Ainda não sabia o que isso queria dizer. Um barulho chamou a atenção e ele despertou de seu devaneio. Foi o tempo exato de ver os matos próximos se mexendo, como algo correndo em sua direção. Jogou-se no chão e ao olhar pra cima viu três luzes de tamanho mediano voando em disparada, em frente. Levantou e estava coberto de terra. Repentinamente a chuva parou, mas tudo continuou escuro como noite. Seguiu em direção às luzes, naves poderiam ser.
          Não precisou caminhar muito além para achar o final da floresta e um grande campo aberto. Logo adiante estavam as três naves, pousadas. Sentiu-se vitorioso e esperava que poderiam ajudá-lo a reparar a nave a tempo de encontrar Mino. Porém, o campo e as naves estavam estranhamente silenciosos. Apenas ouvia o som da natureza ao redor. Ao contornar uma das naves da ponta, encontrou um recipiente cilíndrico, de base reta e topo arredondado. Protegia algo em seu interior. O objeto emanava uma luz lilás e acompanhava uma carta. Bono não pôde conter sua curiosidade e estranheza diante daquela situação. Abaixou-se perante ao recipiente e abriu a carta.

"Tudo o que precisa para reparares sua nave é esta pedra. A energia que ela emana fortificará suas peças aos poucos, em curto período de tempo. Após isso, guarde-a. Por vezes se fará necessária. Mas, atenção: é preciso saber usá-la. Essa pedra vem de um planeta nas profundezas da galáxia Thorne e nada facilmente poderá ser substituída se usada de maneira imprudente.
Faça suas escolhas sabiamente e, se tudo correr bem, algo bom sempre existirá além do arco íris."

          Ao terminar de ler, Bono dobrou novamente a carta e olhou fixamente para a pedra. Deve ter ficado assim, imerso em seus pensamentos, por dez minutos, uma hora. É difícil precisar o tempo quando não se sabe onde está e nem como as coisas são medidas nesse lugar. Não era necessário que fizesse sentido. Não mais. Uma das coisas mais valiosas que ele havia aprendido durante sua incrível jornada pelas galáxias era que os mistérios de diferentes povos era uma das coisas mais enriquecedoras que pudera conhecer. Não havia o porque de questionar coisas das quais não entendia ou conhecia. O propósito era muito além disso. Aceitar o propósito das coisas era outra lição valiosa.
          De volta a sua nave, Bono observava onde seria o melhor lugar para que a pedra pudesse agir e se deu conta de que tudo estava devidamente em seu lugar. A pedra não seria necessária. Não seria? O que seria esse lugar verde musgo tão quieto e, ao mesmo tempo, que dizia tanto? Ao ligar a nave, as luzes acenderam e pôde ouvir o toque de Bloodstream. L.A. abriu, sim, as memórias. E então ele soube que estava exatamente aonde deveria estar.

16 comentários:

  1. Teu texto me fez ir além da interpretação geral. Pude analisar cada cena como se fosse o personagem principal, então entendi cada sentimento como se fosse meu também ♥ "L.A. abriu, sim, as memórias. E então ele soube que estava exatamente aonde deveria estar." Você escreve linda e intensamente, moço.

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    1. Que delícia, Kelly!
      Eu acho que é tudo sobre isso, sabe? Sobre se identificar e relacionar com os próprios sentimentos. Isso gera coisas dentro da gente e cada um acaba tendo uma interpretação.
      Obrigado pelo elogio ♥

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  2. Ótimo texto, enigmático, nos faz repensar ou pensar melhor em vários aspectos da vida. Muito bom!

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  3. Li e fiquei querendo mais haha que maldadeeee. Fiquei pensando, e sei que não vou parar nem tão tão cedo, na pedra e nas memórias. Bem enigmático e envolvente. Não pare de escrever, vc é incrível <3
    Neoguedes

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    1. Que bacana, Bruna! Fico feliz real que tenha achado isso! Tem mais textos que antecedem esse. Eles seguem todos uma linha do tempo, mas podem ser lidos e interpretados individualmente também.
      As pedras são introdução pro que vem depois, de fato. As memórias são, tanto uma alusão a realidade fora dos contos quanto aos contos passados também, parte do enredo.
      Obrigado pelos elogios <3

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  4. Esse texto já pode virar uma série! Adorei a reflexão de que "os mistérios de diferentes povos era uma das coisas mais enriquecedoras que pudera conhecer. Não havia o porque de questionar coisas das quais não entendia ou conhecia.". Talvez eu grude essa frase na minha testa. Já percebeu o quanto as pessoas tentam entender os costumes dos outros e questionam isso quando é muito mais fácil aceitar e respeitar?
    AMEI esse texto.

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    1. hahaha Vitória <3
      Esse texto faz parte de uma série - de textos e contos.
      Isso sobre questionar os costumes dos outros é tão real e presente, né? É uma alusão às minhas reflexões recentes mesmo. Nossas, né.
      Fico feliz que tenha gostado ♥

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  5. Uaau! Como você escreve bem! Eu mergulhei na história, visualizei as cenas. Já fiquei imaginando uma continuação. Parabéns mesmo! Fiquei encantada como a forma que vc escreve e deixa a gente na expectativa. Arrasou!
    Abraço!
    Tamara
    tamaravilhosamente.com

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    1. Muito obrigado, Tamara!!
      Ele vai ter continuação, eles sempre tem. Fico feliz que tenha gostado. Tem vários textos nesse mesmo universo, todos são pecinhas que vão se encaixando.
      Logo sai coisa nova <3

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  6. Que texto mais maravilhoso foi esse?! Quero continuação já! Kkk
    Me envolvi com a historia de um jeito muito bom!
    Nunca pare de escrever porque você é muito boa mesmo!

    Boas festas!
    www.livrebeleza.blogspot.com.br

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  7. Que texto maravilhoso, é sério! Amei a tua escrita :)
    Boas festas, beijos,
    http://i-dreamer-girl.blogspot.pt/2017/12/5-youtubers-que-mais-tenho-assistido.html

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  8. Oie, tudo bem? Que texto mais incrível. Amo ler posts assim diferentes, que trazem sentimentos, que nos fazem ver algo mais. Textos que nos fazem refletir, imaginar situações e claro aprender coisas novas. Os povos são diferentes, cada um com sua cultura é especial, precisamos aprender a respeitar e valorizar as diferenças. Parabéns! Beijos, Érika =^.^=

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    1. É muito essa reflexão, Érika! Sobre aprender a respeitar e valorizar as diferenças. Isso muda os outros e muda a gente.
      Obrigado <3

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