sexta-feira, 7 de junho de 2019

Depois │ Mão única em Xenorf

          Eu acho bom você ter se encontrado, mesmo que tenha me custado. O preço alto que você pagou te trouxe muito e me deixou sem nada. Diferente de outrora, minha essência foi tirada e eu só queria que você a tivesse deixado comigo. Na minha inversão não há absolutamente nada nem ninguém. Acostumado a lidar com outras camadas alternativas, nem assim poderia prever o que me aguardava no interior. Dia após dia, sigo.
          Eu virei do avesso na sua frente e me vomitei inteiro e cê não se deu nem ao trabalho de me responder com mais de uma ou duas frases. Acho que tudo isso quer dizer uma porção de coisas ao mesmo tempo. Diz e não diz, usual.
          Disse.
          Atravessamo-nos.
          Daqui, sigo nesse azul marinho sinistro que quase conforta. A cada rua virada é como se me desse conta cada vez mais de que esse é, de fato, o meu lugar. Por merecimento, por externação. Por sucumbir aos demônios que emergiram, enfim. Deve haver algo de poético nessa caminhada simultânea por caminhos semelhantes mas tão diferentes. É que já não me resta nada quente nessa situação sem essência, a qual carinhosamente vou chamar de Xenorf. Até mesmo pra vencer os demônios é preciso nomeá-los e enfrentá-los de frente. Eu não sei se cê tá enfrentando os seus, mas eu espero que sim porque, caso contrário, seria apenas um grande desperdício queimar tudo por nada. Resolução de um só não é resolução, é tapeação.
          No final das contas acho que o que eu menos esperava era ter o que eu mais queria. E aí, quando tive, surpreendente foi. Existe uma linha muito tênue mesmo entre o que a gente mais quer e o que a gente quer de verdade. Essas coisas se confundem em tantos pontos que é preciso muita honestidade para saber-se separar. O problema está em, uma vez separado e identificado, teria sido melhor ter deixado como estava? A honestidade, com si mesmo e com o outro, traz e esclarece o almejado, o que não quer dizer que resolve. E se o estrago ficar ainda maior e, pior, sem reparo depois de tanta curva em linha reta? Não tem desvio e provavelmente nem retorno. Nessa via de mão única é onde se atropelam as vias do normal e do invertido. Daí não tem camada alternativa, chuva ácida ou gastrite que resolvam.

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